Luiz Giaconi é empresário, escritor e jornalista
formado pela faculdade Cásper Líbero; Pós-Graduado em Política e
Relações Internacionais pela FESP-SP.
Nessa série de textos pretendo recontar ações de desarmamento
através da história, os motivos que levaram determinados povos a fazer
essa escolha e mostrar suas consequências, muitas vezes inesperadas e
desastrosas. Desarmamento não é uma iniciativa nova, e os casos do
passado servem, muitas vezes, como lição para o presente e para o
futuro.
Desarmamento no mundo comunista: mitos e verdades
Provavelmente toda pessoa favorável ao direito à posse e ao porte
de armas de fogo já utilizou como argumento contrário ao desarmamento o
fato de que nos países que adotaram governos comunistas ou socialistas,
o desarmamento foi amplo, geral e praticamente irrestrito. Tanto para
manter o povo sob controle, quanto para ter maior facilidade para
eliminar as parcelas indesejáveis da população e enfraquecer toda e
qualquer dissidência dentro da sociedade.
De fato, leis extremamente duras sobre o assunto eram comuns nesses
países, mas, nem todos eram obrigados a seguir as mesmas regras.
Membros dos partidos comunistas locais tinham vários privilégios. Um
deles era a possibilidade de ter e utilizar armas de fogo, coisa que
era praticamente impossível para o cidadão comum. Afinal, como bem
escreveu George Orwell sobre a utopia socialista no livro Animal Farm:
“Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que
outros”.
As caçadas patrióticas dos camaradas Honecker e Ceausescu
Após a decisiva derrota alemã na Batalha de Kursk (julho-agosto de
1943), o destino do front oriental da Segunda Guerra estava traçado. O
rolo compressor do exército vermelho retomou todo o território
conquistado pelas forças nazistas, culminando na batalha de Berlim
(abril-maio de 1945) e o final das hostilidades na Europa. No caminho,
países que estavam sob ocupação nazista foram “liberados” pelas tropas
soviéticas. Liberação comunista de uma ocupação nazista é parecido com
sair da panela para cair direto no fogo, como logo descobririam as
populações do leste europeu. Nas palavras de Winston Churchill, “De
Stettin, na Polônia, até Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro
caiu sobre o continente europeu.”
E uma das primeiras iniciativas das forças de ocupação, apoiados
pelos minoritários partidos comunistas locais, foi restringir as armas
de fogo. Afinal, como eram uma parcela longe de ser a maioria da
população, pouco interessava aos comunistas que o cidadão comum tivesse
acesso à armas de fogo. Povo desarmado sempre é mais dócil. Alemanha
Oriental, Polônia, Estônia, Letônia, Lituânia, Tchecoslováquia,
Romênia, Bulgária, Iugoslávia e Albânia. Todos esses países logo teriam
leis restritas sobre o tema. Algumas um pouco mais brandas, outras
extremamente draconianas.
Mas, como num sistema socialista certas
pessoas sempre tem seus privilégios, a lei não valia para todos.
No dia seguinte à tomada do poder pelos comunistas na Bulgária, em
9 de setembro de 1944, todas as armas foram confiscadas da população
civil. Na Hungria, onde inicialmente os comunistas eram apenas
participantes de um governo de coalizão, o ministério do interior,
comandado por um comunista, ordenou a dissolução de todos os clubes de
tiro e de caça. A justificativa foi que assim era “mais fácil proteger
o sistema do Estado democrático.” Apoiados pelas tropas do exército
vermelho, em 1948, os comunistas húngaros foram capazes de dar um golpe
de Estado, praticamente sem nenhuma resistência das oposições ou da
população. Desconfie quando um comunista ou socialista afirmar que
determinada medida serve para proteger a democracia. A intenção é
sempre a inversa.
Na Polônia, a lei não era tão restritiva. Mas, com as primeiras
dissensões internas, surgidas com o movimento Solidariedade, medidas
enérgicas se mostraram necessárias. Em dezembro de 1981, o líder
polonês, general Wojciech Jaruzelski, declarou lei marcial, limitando a
comunicação com o exterior, aumentando a censura estatal, prendendo
todos os líderes pró-democracia e ordenando a população entregar todas
as armas de fogo e munições para o governo comunista.
A Alemanha Oriental seguia uma linha mais moderada, similar à
polonesa. A posse de armas de fogo era proibida para a população, mas
civis tinham a permissão para alugar rifles de caça por um dia, de
clubes de tiro estatais. Já para os líderes do Partido Comunista, a
situação era diferente. Tanto Walter Ulbricht, quanto Erich Honecker,
os dois principais líderes da Alemanha Oriental, gostavam de caçar, e
não sofriam as restrições que os alemães “comuns”. Honecker era tão
afeito à prática esportiva do tiro que inclusive ordenou a construção
de diversas e luxuosas casas de campo, no estilo das dachas soviéticas,
onde poderia praticar seu esporte favorito à vontade. Ao mesmo tempo, a
população da Alemanha Oriental sofria com racionamento de carne e
frutas, além de enormes filas para comprar os produtos mais básicos.
Armas de fogo só eram totalmente liberadas para os militares, a Stasi
(polícia política) e guardas de fronteira, que tinham a ordem de atirar
em quem tentasse atravessar as fronteiras para a Alemanha Ocidental.
Milhares morreram tentando a travessia.
Mesmo com todas as facilitações, Ceausescu não era dos melhores
esportistas. Para facilitar o serviço do chefe, esquadrões do exército
romeno entravam na floresta, preparando a área para a caçada, ao
colocar uma carcaça de cavalo perto de uma fonte de água. Quando um
urso aparecia, atraído pela carne, Ceausescu era chamado, e chegava de
helicóptero de madrugada para abater o animal. Certa feita, ao não
conseguir acertar o urso no escuro, ele ordenou que suas forças de
segurança conseguissem equipamento infravermelho com os americanos,
para que ele pudesse enxergar melhor na próxima caça.
Seria cômico se fosse apenas um ditador da ficção. Infelizmente,
Ceausescu comandou com mão de ferro a Romênia por mais de 20 anos. A
Securitate foi responsável pela morte de mais de cem mil pessoas que se
opuseram ao regime comunista. O mesmo povo oprimido selou o destino do
ditador. Ao tentar fugir do palácio presidencial, durante as revoltas
de 1989, foi capturado junto com a sua esposa, julgado e executado no
mesmo dia por um pelotão de fuzilamento.
Charutos e rifles: as paixões do camarada Che Guevara
As imagens mais comuns do falecido comunista Che Guevara sempre
acompanham um charuto. Outra paixão do comandante Ernesto eram as armas
de fogo. Rifles, pistolas, revólveres, metralhadoras… E ele não as
usava da maneira que a maioria das pessoas que são a favor da liberdade
para a compra e porte de armas pretende usar as suas. Poucos indivíduos
na história da humanidade foram tão eficientes na arte de matar a
sangue frio como Che Guevara. Inclusive, como médico que era, descrevia
de forma extremamente gráfica nos seus diários a trajetória de uma bala
disparada pela sua pistola, na cabeça de um prisioneiro. Um verdadeiro
ícone da “paz e de um mundo melhor”.
Ao mesmo tempo em que o Che poderia utilizar a arma que quisesse,
para tingir de vermelho as paredes das prisões cubanas com o sangue dos
dissidentes e opositores do regime, o cidadão cubano comum não tinha a
mesma opção. Caçar as armas na população civil foi uma das primeiras
medidas dos revolucionários vitoriosos, em janeiro de 1959.
Dois dias depois da tomada do poder pelos comunistas de Fidel
Castro, começou a apreensão das armas previamenteregistradas, no
governo de Fulgêncio Batista, da mesma maneira que Hitler fez com as
armas nas mão dos proprietários judeus na Alemanha nazista. A
justificativa cínica e mentirosa do comandante Fidel cairia como uma
luva no discurso de qualquer desarmamentista atual:
“O apelo ao desarmamento não é ambíguo. Por que armas clandestinas
estão escondidas neste momento? Por que armas estão sendo traficadas
neste momento? Nesse momento, armas estão sendo trazidas para cá por
grupos revolucionários. Todas as armas achadas com essas organizações
serão armazenadas nos arsenais do exército, onde é o seu lugar. Para
que são essas armas? Para que serão usadas?”
“Contra o governo revolucionário que apóia todas as pessoas? Nós
temos uma ditadura aqui? Vamos pegar em armas contra um governo livre
que respeita o direito das pessoas? Nós temos um país livre aqui. Não
temos censura e a imprensa é livre. As pessoas podem se reunir
abertamente se quiserem. Não há prisioneiros políticos, não há
assassinatos, não há terror. Quando todos os direitos dos cidadãos
forem restaurados, e tivermos eleições, para que precisaremos de armas?
Vamos depor o presidente com elas? Vamos montar organizações
revolucionárias? Vamos ter gângsters?”
“Vamos praticar tiros diariamente nas ruas de Havana? Para quê
precisamos de armas? O roubo de armas dos quartéis e sua posse é
injustificável, porque aqui não é uma ditadura. Nunca usaremos a força,
porque pertencemos ao povo. Mais ainda, no dia em que o povo não nos
quiser mais, iremos embora. Tirarei todas as armas da rua o mais rápido
possível. Não há mais inimigos. Não há mais nada para lutar contra, e,
se algum dia, alguma potência estrangeira tentar atacar a Revolução,
todos nós lutaremos. As armas pertencem aos quartéis e arsenais.
Ninguém tem o direito de andar armado aqui. Nós cuidaremos da sua
segurança.”
Nos meses seguintes, as perseguições e fuzilamentos se
multiplicaram. A censura foi instituída. Cuba jamais teria outra
eleição livre até os dias de hoje. Estima-se que o regime comunista
cubano matou cerca de 40 mil pessoas. Mais de 100 mil morreram na
tentativa de fugir para a Flórida. Os que conseguiram, criaram uma das
mais vibrantes e bem sucedidas comunidades imigrantes dos EUA. Lá
seriam verdadeiramente livres, inclusive para ter suas próprias armas.
Armas em Cuba só para o exército e as milícias comunistas. Ou para
a exportação. O regime cubano apoiou maciçamente, com dinheiro e armas,
movimentos terroristas latino-americanos e africanos, como em Angola e
Moçambique. Che Guevara morreu na Bolívia, tentando criar uma nova
revolução. Felizmente não foi bem sucedido. Aqui no Brasil, a história
do envolvimento cubano é bem conhecida de parte da população. Fidel
Castro, com o discurso cheio de ideias que hoje fariam a festa de
qualquer amante do desarmamento, ainda está por aí, no comando da ilha
prisão, assombrando todo o continente.