Possível ataque à Síria não tem base jurídica


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2setembro2013
ILEGÍTIMA DEFESA

Uma coisa é a "base humanitária", que pode — ou não — justificar um
ataque americano à Síria. Outra coisa é a "base jurídica", para sustentar a
 decisão de atacar. Essa, definitivamente não existe, dizem juristas e
 professores de Direito americanos, além de uma leva de artigos e editoriais
 em jornais e sites dos EUA publicados no último fim de semana.
"É uma clara violação à lei internacional", afirma, em editorial, o New York 
Times. "É inconstitucional", do ponto de vista doméstico, dizem outras
publicações. Só o Congresso pode autorizar ação militar. Mas essa é uma
 questão que pode ser contornada, se o presidente Barack Obama obtiver
 uma autorização do Congresso, o que ele anunciou que pode fazer no
domingo (1/9).
A "base humanitária", na visão do governo americano, foi alinhavada na
 sexta-feira (30/8) pelo presidente Obama. Para ele, "a decisão de agir é
 parte da obrigação dos EUA, como um líder mundial, de se certificar de
 que regimes sejam responsabilizados quando atacam seu próprio povo
com armas proibidas pelas normas internacionais". Segundo o presidente,
 "se prevalecer a percepção de que ninguém vai executar essas normas, as
pessoas não vão levá-las a sério".
Para o governo americano, pode ser a coisa certa punir o presidente da
Síria Bashir al-Assad pela morte de 1,4 mil cidadãos sírios, vítimas de
 armas químicas. "Mas, dizer que é a coisa certa a fazer não garante a
 legalidade da ação", diz o professor de Direito Matthew Waxman, uma
 das autoridades do Departamento de Estado dos EUA no governo
 Bush. O governo americano terá muita dificuldade
para encontrar "base jurídica" para justificar a ação militar.A ilegalidade
do ataque provém, em primeiro lugar, de uma possível violação à
Carta das Nações Unidas, dizem os jornais. A Carta prevê apenas duas
 situaçõesem que um país pode atacar o outro: em legítima defesa, quando
 o país for atacado,ou com autorização do Conselho de Segurança da ONU,
 para manter a paz e a segurança.Os Estados Unidos não foram atacados
pela Síria e dificilmente vão obter autorização do Conselho de Segurança.
 A Rússia e possivelmente a China devem vetar qualquer resolução que se
 proponha a autorizar ataques aéreos ou invasão da Síria.O artigo 39
(capítulo VII) da Carta das Nações Unidas contraria a declaração do
presidente Obama de que os EUA, como um líder mundial, é obrigado
a intervir na Síria. Na verdade, essa é uma função da ONU. O artigo diz:
"O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça
 à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou
 decidirá que medidas deverão ser  tomadas (...)".Mesmo que se confirme
 a suspeita de que o governo sírio usou armas químicas, causou um grande
 número de vítimas e, por isso, violou leis internacionais, não haverá como
 sustentar juridicamente uma retaliação — mesmo que ela so e como
humanitariamente justificável. A Síria é um dos poucos países que nunca
assinou o Tratado de Armas Químicas da ONU. Assim, a Síria não pode
ser responsabilizada pela quebra de um tratado que não assinou, dizem os
juristas.A Síria assinou a Convenção de Genebra e o Protocolo de
Genebra — esse proíbe, especificamente, o uso de armas químicas em
 guerras com outros países. Não diz nada contra o uso de armas químicas
contra o próprio povo, diz professor de Política Ian Hurd.
"Em outras palavras, o governo americano se propõe a violar a legislação
 internacional para proteger uma legislação internacional que a Síria nunca
se comprometeu oficialmente a cumprir", diz o site Business Insider.
Do ponto de vista doméstico, também não há um precedente jurídico forte
 para justificar o ataque. Há precedentes considerados "ilegais", diz
professor Matthew Waxman.Em 1999, o ex-presidente Clinton ordenou
 um ataque aéreo a Kosovo, com o apoio da NATO, justificado em
bases humanitárias."Os EUA nunca declararam que a intervenção em
Kosovo tinha sustentação jurídica.O governo americano declarou apenas
 que ela era justificada", ele diz.O governo  reconheceu que não havia uma
 base jurídica forte e declarou que a ação não deveria servir de precedente
 no futuro. Justificou a ação em fortes razões morais.No caso da Síria, o
governo americano dificilmente poderá alegar "fortes razões  morais" para
justificar o ataque, diz o Business Insider. "Em 1988, o então presidente
do Iraque Saddam Hussein usou armas químicas  contra os iranianos e
também contra os curdos, dentro do próprio país, com conhecimento total
 do governo americano", afirma a publicação. Na época, não foi proposta
qualquer intervenção no Iraque. Mais tarde, foi um dos fundamentos
utilizados pelo governo Bush para tentar justificar a invasão
 do Iraque.O ex-presidente Bush também alegou legítima defesa para
justificar a invasão ao Iraque, com a criação de um conceito inteiramente novo:
o da defesa preemptiva. Ou seja, um país teria o direito de se defender, antes
de ser atacado.Na história recente, dois presidentes americanos usaram a
 justificativa da legítima defesa, prevista na Carta da ONU, para atacar outros
países, relembra o New York Times. Em 1986, Ronald Reagan atacou a Líbia,
em retaliação a um ataque com bomba a uma discoteca em Berlim. Em 1998,
Bill Clinton atacou a Al Qaeda no Afeganistão e no Sudão, em retaliação a
dois ataques com bomba a embaixadas americanas na África.
Segundo o jornal, esse "fundamento controvertido" não está disponível ao
presidente Obama para atacar a Síria, por decisão presidencial. A Síria não
 atacou nenhum cidadão americano, nem qualquer propriedade americana.