Delegado diz ainda não saber se houve estupro e causa polêmica: O que diz a lei

Mariana Della Barba

BBC Brasil, Sao Paulo

Advogada da vítima pediu a saída do delegado Alessandro Thiers do caso
O caso da menina de 16 anos estuprada por mais de 30 homens no Rio ganhou um novo desdobramento após o delegado Alessandro Thiers afirmar ainda não estar convencido se realmente houve estupro.

"A gente está investigando se houve consentimento dela, se ela estava dopada e se realmente os fatos aconteceram. A política não pode ser leviana de comprar a ideia de estupro coletivo quando na verdade a gente não sabe ainda", disse, em entrevista coletiva após os depoimentos da vítima e de suspeitos.
A advogada da vítima, Eloísa Samy, acusou Thiers, que é titular da Delegacia de Repressão de Crimes de Informática do Rio, de machismo e pediu seu afastamento do caso.

"Ele não tem condições de conduzir esse caso. Durante o depoimento da vítima, fez perguntas que claramente tentavam culpá-la pelo estupro. Ele chegou a perguntar: 'Você tem por hábito participar de sexo em grupo'. Não acreditei e encerrei o depoimento", disse Samy à BBC Brasil.

"Ele mostra uma atitude machista por claramente desqualificar a vítima e a violência que ela sofreu, a responsabilizando pela violência do estupro. Assim, ela faz com que ela sofra duas vezes, com a violência do estupro e a violência inconstituicional pelo descrédito que lhe é dirigido", acrescentou a advogada.

"Assim fica fácil perceber o que faz com que tantas vítimas de estupro deixem de denunciar seus agressores no Brasil."

A BBC Brasil procurou a Polícia Civil para comentar as acusações - o crime está sendo investigado em conjunto pela Delegacia da Criança e Adolescente Vítima e pela Delegacia de Repressão de Crimes de Informática. Até a publicação deste texto, ainda não havia obtido resposta.

Em nota publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, a polícia afirmou que a investigação "é conduzida de forma técnica e imparcial, na busca da verdade dos fatos, para reunir provas do crime e identificar os agressores, os culpados pelo crime".

Provas
 
A advogada da vítima também critica o fato de o delegado não ter pedido a prisão preventiva dos suspeitos ouvidos pela política.

"Ele (o advogado) reitera que divulgar imagens como essas envolvendo menores é crime, chama os suspeitos para depor, eles confessam e daí eles são liberados? Não consigo entender. O vídeo não é prova o suficiente?"

Samy afirma ainda que o fato de a gravação mostrar que a garota está desacordada já é prova o suficiente de estupro. O delegado, no entanto, alegou que não ainda havia subsídios para pedir a prisão preventiva.
Para o procurador de Justiça Mario Sarrubbo, professor da Faculdade de Direito da Faap, de São Paulo, o vídeo que mostra a garota deitada e desacordada enquanto os rapazes tocam suas partes íntimas e debocham é um "indício forte" de que houve o estupro, e deve ser confrontado com outras provas.

"Eu teria pedido a preventiva. Temos um vídeo com confissão", diz ele. "Eles afirmam (em gíria própria) que houve estupro."

No vídeo, um dos rapazes diz: "Mais de 30 engravidou". Em uma foto divulgada também pelo Twitter é possível até ver o rosto de um deles, que posa para a câmera em frente à menina.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213 (alterado pela Lei 12.015/09), considera atos libidinosos não consentidos como crime de estupro.

"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso", descreve a lei.

"Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas com alguém que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência", acrescenta.

Enviar vídeos ou fotos de menores de idade é crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com pena de três a seis anos de prisão.

'Nítido'
 
"É nítido no vídeo que ela não tinha condições de manifestar sua vontade ou não (de consentir o sexo). É claro que ela está dopada e/ou desacordada e, portanto, vulnerável. Isso por si só já está tipificado no Código Penal como violência sexual mediante fraude", avalia a advogada Ana Lucia Keunecke, diretora jurídica da ONG de defesa dos direitos das mulheres Artemis.

"Não havendo assim nenhuma necessidade de outras provas, já havendo indícios suficientes para o pedido de prisão preventiva dos suspeitos."

Segundo ela, é comum ver delegados fazendo com que a vítima prove que houve estupro.
"Não creio que o fato de não se ter pedido a prisão preventiva dos suspeitos seja despreparo da autoridade, é cultura do machismo, cultura do estupro", afirma Ana Lucia.

Trauma
 
A advogada da adolescente também diz ter ficado revoltada com o fato de o delegado ter marcado o depoimento dos suspeitos para o mesmo momento em que a adolescente estava na delegacia. "Exatamente no mesmo horário e local. Ela ficou ainda mais abalada."

Segundo Samy, a jovem está extremamente traumatizada. "Ela está começando a apresentar sintomas de síndrome de pânico. Não quer sair de casa. Está muito abalada."

A advogada diz que o Estado não ofereceu nenhum tipo de acompanhamento psicológico - ela mesma teria conseguido o apoio de um profissional para sua cliente.