Fevereiro de 1971, dia 4. Bairro da Gameleira, em Belo Horizonte. Dezenas de operários da construção civil trabalhavam febrilmente para concluir as obras do Palácio de Exposições. A pressa para terminar as obras visava atender exclusivamente à vaidade do então governador do estado, Israel Pinheiro.
Ele exigia, a todo custo, inaugurá-las antes do final do seu
mandato. Então, foi dada a ordem da retirada das vigas de sustentação.
—
ignorando a opinião dos operários, que advertiam haver fissuras nos
alicerces e que a estrutura ruiria a qualquer momento. Nada menos que
69 operários morreram neste dia, soterrados por toneladas de concreto.
Mais de 50 outros trabalhadores ficaram mutilados.
"Há muitos dias que a estrutura da construção estava estalando", foi a
declaração do carpinteiro Antônio Miranda ao jornal Estado de Minas, de
5 de fevereiro de 1971. Assim como ele, vários operários anteviram o
desastre e alertaram os responsáveis pela obra projetada pelo arquiteto
Oscar Niemeyer.
O Palácio de Exposições da Gameleira foi edificado pela Sergen
Engenharia; as fundações correram por conta da Sobraf e seus cálculos,
pelo escritório Joaquim Cardoso. A Sergen Engenharia, grande empresa do
ramo da construção civil, continua em atividade até os dias de hoje.
Atualmente, é responsável por outras obras na capital mineira, dentre
elas o Fórum da cidade.
Na época do desabamento vigorava a gerência militar-fascista que tinha à
sua frente o celerado Garrastazu Médici. Em Minas Gerais, Israel
Pinheiro, o sub-gerente de plantão, tinha pressa em concluir as obras.
Seu mandato encerrava-se no dia 15 de março, e ele pretendia
capitalizar os louros da inauguração. Os operários trabalhavam noite e
dia, sob constante ameaça de demissão sumária. Os que questionavam as
ordens da construtora (e do governador) sobre o andamento das obras
eram ameaçados até mesmo de prisão e forçados a continuar trabalhando.
— Foi uma loucura aquela correria. De longe a gente ouvia os estalos na
fundação. Foi a conta certa de correr e ver meus amigos esmagados
debaixo da laje— conta para AND o senhor Milton Alves Pereira, agora com 79 anos, que trabalhou como pedreiro nas obras do pavilhão.
O desabamento aconteceu no horário do almoço. Porém, muitos operários
encontravam-se no interior da obra para recomeçarem seus trabalhos,
imediatamente após a miserável refeição. Não houve tempo para correr.
Quem estava lá dentro foi enterrado sob toneladas de destroços.
— Era muita gente. Quando a poeira baixou, muitos trabalhadores
gritavam debaixo dos escombros com um braço preso ou uma perna
esmagada. Tinha vários amigos meus lá em baixo. Não tive como ajudá-los.
— prossegue Milton Alves.
Penoso resgate
Vários dias se passaram no trabalho de resgate dos trabalhadores
soterrados. No término das buscas por sobreviventes, foram contados 69
mortos. Milton Alves fala ainda que:
— Muitos companheiros ficaram enterrados, lá mesmo, debaixo dos
escombros e dos gritos desesperados. Não foram retirados todos. Havia
muito operário de quem a empresa nem prestou contas. Simplesmente
desapareceram. Não se fala mais nisso.
Osmir Venuto, o combativo presidente do Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria da Construção Civil de Belo Horizonte, recorda que durante
vários dias, depois do desastre, um odor putrefato impregnou a região
da Avenida Amazonas, tornando-se bem mais forte à medida em que as
pessoas transitavam pelas imediações da construção. Mais de cinquenta
trabalhadores ficaram mutilados e seriamente feridos. Os que foram
parcialmente soterrados ou atingidos pelos blocos de concreto tiveram
seus braços e pernas amputados no próprio local da obra.
— É triste demais, muito difícil lembrar dos amigos pedindo ajuda. Eu
fiquei muito tempo traumatizado e até hoje lembro do barulho da
construção desabando. Os trabalhadores que não se acidentaram foram
obrigados a limpar a área depois do desabamento — fala emocionado
Milton Alves que, mesmo passados 35 anos, não consegue esquecer a
tragédia.
Seguiram-se várias e diversas manifestações de solidariedade. Grande
número de trabalhadores fizeram fila para doar sangue e apoiar, moral e
materialmente, as famílias dos operários mortos.
Tapete de sangue
— Os responsáveis pelo desabamento foram o governador Israel Pinheiro, a
Sergen Engenharia e as empresas de fundação e cálculo da obra —
protesta o presidente Osmir Venuto.
O dirigente sindical afirma que o então governador e a empresa, após o
desabamento, estavam mais preocupados em preservar o restante da obra
que com a segurança dos trabalhadores. Continua prevalecendo, há mais
de três décadas, a impunidade e o acobertamento dos responsáveis.
— Nenhum graúdo foi para a cadeia. Nenhum. — prossegue visivelmente irritado o presidente Venuto.
No entanto, coroando nada menos que 35 anos de impunidade, após o
trágico acontecimento, no mesmo local onde os operários morreram, o
atual governador Aécio Neves preparou uma grande festa e estendeu
tapetes vermelhos para receber os agiotas do BID — Banco Interamericano
de Desenvolvimento, sucursal do Banco Mundial para Assuntos
Latino-americanos. E o antigo Palácio de Exposições da Gameleira foi
reinaugurado com todas as pompas que o crime organizado costuma oferecer para celebrar seus acordos contra o povo.
A prova cabal de que prossegue o desrespeito para com a vida dos
operários é a quantia superior a 150 milhões, anunciada na própria
imprensa fascista, gasta pela subgerência petista representada por
Aécio Neves para reunião de quadrilhas do Fundo Monetário
Internacional, da Organização Mundial do Comércio e do Banco Mundial. A
farra promovida durante o encontro do BID se estendeu às obras
cosméticas em todo o perímetro da Avenida Amazonas e centro da cidade,
irritando o povo nas ruas.
Outdoors encomendados pelo governo estadual, colocados em toda
a cidade, diziam desavergonhadamente: "BID. Você recebe bem, você
recebe sempre."
Acresce que, ao longo desses trinta anos, não foi pago um único centavo
referente a indenizações devidas aos familiares dos operários
mutilados e mortos. Da mesma forma, por todo esse período permanecem
impunes os culpados pelo criminoso desabamento do pavilhão de
exposições da Gameleira.
Milton Alves conta que conhece vários familiares das vítimas do
desabamento e que ninguém recebeu qualquer indenização referente ao
danos causados pela criminosa negligência da Sergen, instigada pelo
ex-governador. Quando indagamos o porquê do descaso daquela e de outras
administrações estaduais que se sucederam, Milton respondeu de pronto:
— Não pagam o que é de direito nosso porque não é interesse deles o bem
do povo. Basta ver os hospitais e as escolas, tudo caindo aos pedaços.
Agora, olhe esta obra novinha e este monte de seguranças.
— e aponta
para o parque de exposições.
— Para isto eles têm sempre muito dinheiro!
Há muito tempo corre um processo na justiça, inclusive o Fórum onde
funciona esta justiça foi construído pela Sergen. E isso já foi há
vários anos. Até hoje nenhuma providência foi adotada.