'Pedaladas constituem crime grave', diz autor de pedido de impeachment

O jurista Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, afirmou nesta quarta-feira (30), na comissão especial que analisa o processo de afastamento, que as “pedaladas fiscais” constituem “crime grave”.
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Ele foi chamado pelo relator do processo, deputado Jovair Arantes (PDT-DO), para detalhar à comissão as denúncias que fez contra Dilma. Também falou à comissão a advogada Janaína Paschoal, outra signatária do pedido de impeachment.

"Normalmente, se pode imaginar é que essas pedaladas se constituíam num mero problema contábil, que elas se constituíam num mero fluxo de caixa, que elas se constituíam numa questão menor que não constitui crime. No entanto, posso lhes dizer que constitui crime e crime grave. E por quê? Porque as pedaladas fiscais se constituíram num artifício, num expediente malicioso por via do qual foi escondido o déficit fiscal. Essas pedaladas fiscais levaram a que a União contraísse empréstimos, créditos, com entidades financeiras das quais ela é a controladora. Isso é absolutamente proibido pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal."

As chamadas “pedaladas fiscais” consistem na manobra de atrasar pagamentos do Tesouro Nacional a bancos públicos, para melhorar artificialmente a situação fiscal do país. Por causa da demora nas transferências, Caixa Econômica e BNDES tiveram que desembolsar recursos próprios para pagar programas sociais, como o Bolsa Família.

  Resultado de imagem para 'Pedaladas constituem crime grave', diz autor de pedido de impeachment "Quero lhes dizer que o equilíbrio fiscal, que o ajuste fiscal, é um bem público, fundamental, pedra angular de um país. E, no momento em que se quebra o equilíbrio fiscal, há como que um jogo de quebra de dominó, porque isso leva inflação, que leva à recessão, que leva ao desemprego, portanto, se apropriaram de um bem dificilmente construído que foi do equilíbrio fiscal, cujas consequências são gravíssimas, hoje especialmente para as classes mais pobres, porque a classe mais pobre, que está sofrendo o desemprego, que está sofrendo a inflação, que está sofrendo a desesperança", afirmou Reale Júnior.

Os depoimentos dos juristas ocorreram após bate-boca entre deputados do PT, o presidente da comissão, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), e deputados da oposição (veja vídeo abaixo). Os petistas queriam adiar os depoimentos dos autores do impeachment para depois da apresentação da defesa de Dilma, o que foi negado por Rosso.

Em sua fala de abertura, Miguel Reale Jr. afirmou que o fato de as pedaladas terem ocorrido em governos anteriores não invalida a denúncia. Ele destacou que a prática foi mais frequente e movimentou valores maiores no governo Dilma.

"Operações de crédito que não foram feitas com autorização legal, e nem podiam ser feitas com autorização legal porque uma lei complementar, lei 201, de 2000, no seu artigo 36 veda, terminantemente, que haja operações de crédito da União com entidades financeiras sob seu controle, portanto, não podiam ser feitas essas operações. Operações de crédito que foram feitas em longos prazos, com quantias exorbitantes. 

Que não se confunde com aquilo que é chamado de fluxo de caixa, e que pode ter ocorrido durante o governo do Fernando Henrique e no do governo do Luiz Inácio Lula da Silva, mas que, neste governo, seja em 2014, seja 2015, alcançaram valores extraordinários, por longo tempo, empurrando-se com a barriga durante muito tempo. E, muito mais gravemente, não se registrando essa dívida no Banco Central, não constando essa dívida como líquida do setor público, portanto, sem constar como dívida, falseou-se o superávit primário, falseou-se a existência de uma capacidade fiscal que o país não tinha", afirmou.

Durante o depoimento de Reale Júnior, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), gritou: “Isso não está na denúncia!”. A intervenção gerou breve tumulto em plenário com gritos a favor e contra Dilma. O jurista retomou a palavra e continuou a discursar, após dizer que os argumentos citados fazem, sim, parte do pedido de impeachment.

Miguel Reale Júnior rebateu o argumento da presidente Dilma de que não há crime de responsabilidade.
"Tanto perguntam onde está o crime, aqui está o crime. Tá no artigo 359 A, tá no artigo 359 A. Tá no artigo 359 C: ordenar ou autorizar assunção de obrigação nos dois últimos quadrimestres. Foi o que aconteceu em 2014, nos últimos quadrimestres, durante o processo eleitoral. E está também na Lei de Responsabilidade, está também na Lei de Responsabilidade. Tá na Lei de Responsabilidade, no artigo 10º e no artigo 9º, no artigo 10º número 6 e número 9. No número 9, pra não me prolongar muito, senhor presidente, do artigo 10º da Lei de Responsabilidade", disse o jurista.

Fala de Janaína Paschoal

Após a fala de Miguel Reale Júnior, a advogada Janaína Paschoal, que também assina o pedido de impeachment, começou a depor na comissão.

“As frases que dizem ‘impeachment sem crime é golpe’. Esta frase é verdadeira. A questão aqui é que nós estamos é que sobram crimes de responsabilidade. Porque se nós, nós poderíamos dividir essa denúncia em três grandes partes, sendo que cada parte tem uma grande continuidade delitiva. Tem a questão das pedaladas fiscais... Tem a questão dos decretos não numerados... E tem também o comportamento omissivo doloso da presidente diante do envolvimento de pessoas próximas a ela no episódio do petrolão. Isso não se pode negar. Isso está na denúncia. Isto abre a denúncia e disso eu não abro mão dessa parte, porque entendo que isso tudo faz um conjunto... Porque foi necessário baixar decretos não autorizados para dar créditos não autorizados, quando já se sabia que o superávit não era real. Foi necessário lançar mão de comportamento continuado de pedaladas fiscais, empréstimos vedados não contabilizados. Por quê? Porque do outro lado estava acontecendo uma sangria. Então, isso tudo é um conjunto de uma mesma situação que ao meu ver... Mas ao meu ver, como eleitora, como cidadã brasileira, não sou autoridade como Vossas Excelências, mostra que nós fomos vítimas de um golpe”, disse Janaína.

A advogada elencou trechos do pedido de afastamento que apontam, segundo ela, crime de responsabilidade por parte da presidente Dilma.

“Tenho visto críticas de que irresponsabilidade fiscal não justificaria impeachment. Vamos voltar no tempo, o que acontecia antes da lei de responsabilidade fiscal? Os estados usavam dinheiro dos bancos públicos sem ter arrecadação, quebravam os bancos e o povo é que pagava a conta”, afirmou, em referência à manobra de pedalada fiscal.

Janaína Paschoal também criticou a tentativa de defensores da presidente de classificar o processo de impeachment como golpe. Segundo ela, o pedido de afastamento tem base legal e contém denúncias de violações à legislação.

“Esse sentimento que estão tentando criar na população que estamos praticando um golpe, não é confortável. Então é necessário, independentemente do resultado desse processo, porque todo advogado sabe que ele pode pleitear... Mas ele não tem certeza do final, nunca tem, inclusive o advogado que dá garantia do final está ferindo o Código de Ética. Então independentemente do resultado, é importante que Vossas Excelências e que a população tenham compreensão de que nós não estamos inventando nada. Abriram créditos bilionários sem a autorização desse Congresso, sabendo que não teria condição e higidez financeira para cumprir. Mais uma ilusão que aconteceu na virada 2014-2015. Para poder dar dinheiro. Porque precisou fazer tudo isso? Porque a sangria do lado de lá tava grande demais. Está  aqui na denúncia. Não estou inventando nada”, afirmou a advogada.

Janaína falou das consequências dos atos do governo Dilma questionados no pedido de impeachment.
“A responsabilidade fiscal, infelizmente, neste governo não é valor. Prova que não é um valor que se fala que isso é uma questão menor, mas se a responsabilidade fiscal não for observada, nenhum programa pode ser mantido. Vossas Excelências não imaginam a dor que as famílias que acreditaram que iam ter seus filhos terminando a faculdade e tão começando a receber cartinha de que ou eles pagam ou se não eles perderam esse sonho”, afirmou, em referência a mudanças em programas de financiamento estudantil.

“Isso é muito grave. Então aqui não tem nada a ver com elite ou não elite. Tem a ver com povo enganado, tem a ver com povo enganado que agora não tem mais as benesses que lhes foram prometidas quando quem prometeu já sabia que não podia cumprir. Outro ponto importante, se Vossas Excelências, e vão constatar que não estou mentindo, peçam para assessoria para fazer um levantamento nos TJs [Tribunais de Justiça] do Brasil. Vossas Excelências vão constar que muitos prefeitos foram condenados criminalmente... E foram afastados dos seus cargos por irresponsabilidade fiscal, e aí ouso dizer, em situação muito menos relevantes, muito menos significativas do que a situação que é trazida neste momento para apreciação por Vossas Excelências."

Para a advogada, os que defendem o governo pensam que instituições públicas pertencem à presidente e podem ser usadas para atender a benefícios pessoais.

“Acreditam que todos os órgãos são dela. Os bancos públicos são dela. Que o BNDES é deles, tanto é que só os amigos foram beneficiados esses anos todos. Que o Banco do Brasil é deles, que a Caixa Econômica é deles”, disse a autora do pedido de impeachment, o que gerou manifestações em plenário.

Por causa do novo princípio de tumulto, Rogério Rosso teve que pedir "respeito à liberdade de manifestação".

A advogada encerrou o discurso pedindo para que os deputados "repensem e pensem na importância do Congresso Nacional". "Estamos passando o país a limpo. As pessoas que vão às ruas esperam uma providência. Não é só para afastar a presidente Dilma, é para afastar tudo o que tem de ruim na política", disse Janaina Paschoal, sendo aplaudida de pé por parte dos deputados, enquanto manifestantes contrários ao impeachment vaiavam.

Primeiro mandato de Dilma

Durante sua fala, Miguel Reale Júnior também rebateu argumentos de que Dilma não poderia ser punida por crimes cometidos no primeiro mandato, mas apenas por fatos ocorridos a partir de 2015. Para o jurista, o Supremo Tribunal Federal (STF) já fixou, em julgamentos, que, com base no princípio constitucional da moralidade, o agente público pode ser punido por fatos anteriores ao mandato.

“Supremo Tribunal Federal já entendeu que a unidade da legislatura não deve ser impedimento para punição de faltas éticas. Acima de tudo está a moralidade como princípio fundamental da República. E querer fugir da responsabilidade por se tratar de mandato anterior é querer escapar pela diagonal e tangente de um princípio que se chama moralidade”, sustentou.

O jurista destacou ainda que a Câmara dos Deputados já puniu deputados que renunciaram para escapar da cassação e se reelegeram depois. “Em decisão desta Casa, se estabeleceu a responsabilidade de dois deputados que, na véspera de serem punidos pelo Conselho de Ética, renunciaram. Foram eleitos no mandato seguinte e foi estabelecido a continuidade do processo disciplinar no Conselho de Ética pelos fatos anteriores. Essa Casa puniu os dois deputados em respeito ao princípio da moralidade”.

‘Comício político’

Primeiro deputado do PT a falar depois da exposição dos autores do pedido de impeachment, o deputado Wadih Damous (PT-OAB), ex-presidente da OAB no Rio de Janeiro, disse que Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior não souberam usar argumentos técnicos para defender o afastamento de Dilma. Para o petista, os dois fizeram um “comício”.

“Muito mais do que uma defesa jurídica, fizeram uma agitação política. O que se viu aqui foi um comício político. Os dois não definiram o que é operação de crédito. Operação de crédito não é adimplemento de obrigações sociais. Eles misturaram diversos conceitos jurídicos. Trata-se, sim, de um golpe”, sustentou o petista.


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