Vice venezuelano descarta referendo para destituir Nicolás Maduro


O governo venezuelano desconsiderou a possibilidade de que o presidente Nicolás Maduro seja revogado mediante referendo, após decretar um estado de exceção que - segundo analistas - busca bloquear o caminho para a consulta promovida pela oposição.
"Aqui Maduro não vai sair por referendo", disse neste domingo (15) o vice-presidente da Venezuela, Aristóbulo Istúriz.

No sábado (14), o líder opositor Henrique Capriles advertiu sobre uma implosão social, se o governo decidir impedir a realização do referendo revogatório contra Maduro ainda este ano. Ele também confirmou neste domingo a convocação de uma mobilização nacional no dia 18 de maio para exigir rapidez no trâmite da consulta popular.

Sob o estado de exceção, o presidente ordenou que as fábricas improdutivas sejam tomadas, estratégia que analistas atribuem a um líder encurralado. De acordo com a empresa Venebarómetro, a gestão de Maduro é reprovada por sete em cada dez venezuelanos.

O presidente decretou no sábado a intervenção das fábricas paradas e a detenção dos empresários que, segundo ele, tentam desestabilizar o governo. Essa foi a primeira medida de um estado de exceção que ficará em vigor por três meses e que será prorrogado sucessivamente até 2017.

"Fábrica parada, fábrica entregue ao povo! (...) Vocês vão me ajudar a recuperar todas as fábricas paralisadas pela burguesia", declarou Maduro diante de milhares de partidários.

A Venezuela está afogada em uma profunda crise agravada pelo colapso das receitas do petróleo, com a inflação mais alta do mundo (180,9%, em 2015) e com uma queda de 5,7% do PIB no ano passado.
No país com as maiores reservas de petróleo do mundo e dependente das importações, esse quadro implica a escassez de mais de dois terços dos alimentos básicos e dos remédios, cortes diários de água e de energia elétrica e uma violência em franca escalada.

Nicolás Maduro discursa em comício no centro de Caracas neste sábado (14) (Foto: Juan Barreto/AFP) 
Nicolás Maduro discursa em comício no centro de Caracas neste sábado (14) (Foto: Juan Barreto/AFP)
 
25% do parque industrial na mira 
 
Quatro fábricas cervejeiras da Polar - a maior produtora de alimentos e de bebidas do país - estão na mira do governo. No último 30 de abril, essas unidades paralisaram suas operações por falta de divisas para importar insumos, dentro do severo controle de câmbio imposto em 2003.

A Polar cobre 80% do mercado cervejeiro, e suas marcas praticamente desapareceram dos supermercados. Depois disso, os preços da concorrência duplicaram em duas semanas.
O presidente socialista acusa o presidente do grupo empresarial, Lorenzo Mendoza, de estar no comando de uma "guerra econômica" para gerar desabastecimento e provocar sua queda.

Nesse contexto político, não é apenas a Polar que poderá ser tomada. Atualmente, os empresários venezuelanos asseguram trabalhar a 43,8% de sua capacidade instalada, devido a dívidas com fornecedores internacionais, à falta de insumos e a um severo controle de preços que afeta a estrutura de custos.
"Estamos falando de 25% de todo o parque industrial venezuelano" que não conta com divisas para reativar operações e poderá ser afetado pela medida, advertiu neste domingo à AFP o deputado opositor e economista José Guerra.

O legislador assegurou que essa medida é "o caminho para o desastre" e contrairá a economia ainda mais.
"Parece que a decisão oficial é deixar a indústria nacional morrer com o consequente empobrecimento dos venezuelanos", declarou à AFP o presidente da Confederação Venezuelana das Indústrias (Conindustria), Juan Pablo Olalquiaga.

Para o analista Benigno Alarcón, a tomada das fábricas seria uma advertência aos empresários do "destino que teriam", caso parassem as operações.

Por trás também estariam - segundo ele - grupos econômicos que apoiam o governo e buscariam "ficar com os ativos" sob a promessa de colocá-los para produzir.

Conter a pressão pelo referendo
 
Maduro também ordenou que, no próximo sábado (21), sejam realizados exercícios militares para enfrentar o que denunciou como uma ameaça externa - referindo-se aos Estados Unidos -, com a qual justifica o estado de exceção.

Analistas consideram que o estado de exceção é parte da estratégia do presidente para evitar a realização, neste ano, de um referendo revogatório promovido pela opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).
"O governo estaria planejando armar o marco legal para liberar as mãos dos militares e poder reprimir uma manifestação nas ruas a favor do (referendo) revogatório", declarou Alarcón.
Ele lembrou que, geralmente, essas medidas restringem o direito de protesto e autorizam detenções preventivas sem ordem judicial.

O presidente do Parlamento, Henry Ramos Allup, advertiu em seu Twitter, neste domingo, que o governo se prepara para convocar o referendo em fevereiro de 2017.

Maduro já declarou, por sua vez, que essa consulta não conta com viabilidade política.
Segundo uma recente pesquisa da empresa Datanálisis, 70% dos venezuelanos apoiam uma mudança de governo.

No que reconheceu como tendo sido uma "bofetada", Maduro sofreu em dezembro passado uma esmagadora derrota quando a oposição conquistou a maioria no Parlamento, pela primeira, em 17 anos de período chavista.

"A oposição sabe que o protesto é o único mecanismo para escalar a pressão, e o governo precisa deter essa tendência", completou Alarcón.

A MUD espera que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) valide as assinaturas apresentadas para ativar o referendo, primeira etapa de um longo processo que pode se estender até o fim deste ano.
A oposição também quer realizar o referendo ainda em 2016. Se a consulta for feita depois de 10 de janeiro de 2017 - quando se completam quatro anos do mandato presidencial - e Maduro perder, os dois anos restantes serão concluídos pelo vice-presidente designado pelo chefe de Estado.

A afirmação de Istúriz coloca em dúvida, porém, a realização da consulta - tanto em 2016 quanto em 2017. Falta, agora, um pronunciamento do CNE sobre o tema.